A Fotografia como ferramenta terapĂȘutica
- Ana Paula Batista
- 3 de mai. de 2022
- 5 min de leitura
Atualizado: 21 de out. de 2024

A fotografia pode ser uma ferramenta poderosa de autoconhecimento de diferentes formas, seja por meio do que o mercado tem chamado de ensaios terapĂȘuticos, seja por prĂĄticas de fotografia terapĂȘutica. Parecem a mesma coisa, mas nĂŁo sĂŁo. Hoje vou abordar alguns aspectos da fotografia terapĂȘutica, mas antes vou dar o meu relato de como eu vivenciei seu impacto.
Fotografar para nĂŁo pirar
No dia 11 de março de 2020 a Organização Mundial da SaĂșde - OMS - declarou a COVID-19 como uma pandemia. Depois disso, lembramos bem dos momentos de medo diante do minĂșsculo inimigo, sobre o qual quase nada se sabia. Foram muitas perdas, muita dor e sofrimento. Diante da notĂcia, iniciava-se o isolamento social. NĂŁo podĂamos nos encontrar com pessoas que morassem em outras casas, nĂŁo podĂamos abraçar quem amamos. Tivemos que aprender, ou ao menos explorar, novas formas de comunicação, aprendizado e trabalho. Os desafios foram enormes e de diferentes naturezas. E nesse contexto todo, como fica a saĂșde mental?
Diante da impossibilidade de sair de casa e de fotografar, diante do cancelamento dos contratos que havia fechado, tive meus momentos de choro, ansiedade e desespero, tive outros de criatividade e esperança.
Pouco antes da pandemia, havia fotografado uma famĂlia e quando fui entregar o ĂĄlbum soube que o sogro da minha cliente, para quem ela daria o ĂĄlbum de presente, havia falecido de covid. Pirei por um tempo com essa notĂcia. âAna, suas fotos ganharam ainda mais valor pra gente. VocĂȘ fez as Ășltimas fotos da famĂlia com ele ainda vivo.â Esse depoimento ficava ressoando em minha cabeça.
Passei a ressignificar a minha relação com a fotografia. Acredito que ficou mais madura e profunda. Eu jĂĄ sabia o tamanho da importĂąncia e da responsabilidade que Ă© fotografar pessoas, jĂĄ havia feito outras âĂșltimas fotosâ, mas dessa vez me bateu de forma diferente. Por mais que saibamos da finitude da nossa matĂ©ria, a pandemia veio nos esfregar na cara a efemeridade da vida. As memĂłrias ganharam outro valor.
Com esse pano de fundo, resolvi entĂŁo experimentar a minha prĂłpria medicina. Havia bastante tempo que eu desejava fotografar mais meu cotidiano, resolução de todos os inĂcios de ano de pelo menos uma dĂ©cada. EstĂĄvamos vivendo um momento histĂłrico. Como nĂŁo podia sair de casa, comecei a fotografar minha rotina, minha casa e aquilo que fazia parte dos meus dias. Senti a necessidade de deixar um rastro da minha existĂȘncia.









Passei, então, a exercitar meu olhar diante da limitação do isolamento, trazendo os dois pilares da fotografia sobre os quais tanto falava: memória e expressão. O que eu falava na teoria e até experimentava daqui e dali, passei a viver na pele, dia após dia. Fotografava para contar minha própria história. Fotografava para expressar meus sentimentos.
Foi nessa pråtica que percebi uma conexão ainda mais próxima da fotografia com a psicologia. Fotografar com presença era como uma meditação que me exigia auto observação, além da observação do que me cercava. Na verdade, percebi que não bastava observar um objeto, planta ou qualquer outro tema de interesse. Eu observava também como aquilo me afetava. Passei a rastrear sentimentos e emoçÔes que as cenas que fotografava ou as fotografias me despertavam.
O que estou sentindo? De onde vem essa sensação? O que ela tem a me dizer? Como posso expressar o que estou sentindo?
Ao buscar responder essas perguntas, percebi que ficava mais conectada com meu interior. As imagens me ajudavam a enxergar aquilo que racionalmente era muito difĂcil. Foi entĂŁo que, sentindo na prĂłpria pele, me deparei com a dimensĂŁo da fotografia como ferramenta de autoconhecimento. NĂŁo apenas pela possibilidade de estudo sobre minha famĂlia ou sobre a minha histĂłria por meio de imagens, mas tambĂ©m pela observação atenta do que se passava internamente. AlĂ©m disso, era uma forma de reduzir ansiedade e estresse ao me concentrar e me entreter com essa linguagem, ao passo que ao menos por alguns instantes eu tirava o foco das notĂcias, da polĂtica e de tudo o mais que me desequilibrava.
O impacto dessa vivĂȘncia foi tĂŁo forte que criei um projeto chamado Fragmentos de Quarentena que incluĂa nĂŁo apenas meu acervo, mas tambĂ©m um curso gratuito de fotografia com o celular.
Inconscientes que se encontram
Para conceber a fotografia como ferramenta terapĂȘutica de autoconhecimento, Ă© importante termos em mente que ela Ă© um encontro de inconscientes. De um lado o inconsciente de quem fez a fotografia, do outro o de quem a vĂȘ. Isso sem falar no inconsciente coletivo, conceito de Carl Gustav Jung, que afeta todos nĂłs.
Fazer uma fotografia envolve algumas escolhas, desde o tema, passando por uso da luz, enquadramento, ùngulo, composição. Algumas dessas escolhas são conscientes, outras não. Assim, fotografias, ou aquilo que elas nos despertam, podem dizer muito sobre nosso mundo interior. Como uma técnica expressiva, muito utilizada na Arteterapia, a fotografia pode criar uma ponte de comunicação entre consciente e inconsciente.
Fiz uma experiĂȘncia no meu Instagram recentemente. Postei trĂȘs fotografias e pedi que as pessoas dissessem a primeira palavra que viesse Ă mente para cada uma delas. Veja sĂł o resultado:

Tranquilidade SertĂŁo MemĂłria Curiosidade Passa Interesse ConstĂąncia
Saudade Sinceridade Simplicidade

InfĂąncia Ărvore InfĂąncia Curiosidade Raiz Saudade Vida Força

Força AngĂșstia Proteção Aflição Liberdade Agonia Ar Agonia Voz
Aflição Medo Arte AngĂșstia
A diversidade de palavras para uma mesma fotografia nos mostra como a presença de uma bagagem individual (também impactada pelo coletivo) interfere na forma como interpretamos ou sentimos uma imagem.
Afinal de contas, o que Ă© fotografia terapĂȘutica?
De acordo com Judy Weiser, psicĂłloga, Arteterapeuta e criadora da Fototerapia, a fotografia terapĂȘutica consiste na prĂĄtica de fotografias, sem condução profissional, com o intuito de produção de mudanças positivas em indivĂduos, famĂlias e comunidades. A Fototerapia, por sua vez, Ă© o uso de fotografias por terapeutas para ajudar a resolver conflitos emocionais, configurando assim um foco maior na terapia do que na fotografia.
A fotografia terapĂȘutica nĂŁo se limita ao ato de fotografar, mas tambĂ©m envolve a visualização, planejamento, discussĂŁo em torno de fotografias. Quando fotografamos com presença, nesse intuito de investigar sobre nĂłs mesmos, alĂ©m de uma prĂĄtica de autoconhecimento, podemos melhorar nossa concentração, reduzir ansiedade e tambĂ©m desenvolver a criatividade e o olhar fotogrĂĄfico.
Um outro efeito que senti na medida em que acumulava fotografias da quarentena se encaixa muito em uma fala da escritora Elisama Santos, no podcast Café com Cuscuz, em que ela disse que olhar para o passado nos traz esperança. As fotografias cumprem esse papel com louvor, tendo em vista que por meio delas nos recordamos das conquistas e desafios superados.
Do meu coração pro seu
NĂŁo sei se vocĂȘ jĂĄ tem esse hĂĄbito, mas te sugiro nĂŁo sĂł fotografar seu cotidiano, mas tambĂ©m imprimir suas fotografias. NĂŁo precisa imprimir tudo. Faça uma seleção se preferir. Posso atĂ© te indicar o lugar onde eu imprimo minhas fotos e as das minhas clientes. Com fotografias impressas em mĂŁos vocĂȘ pode armazenĂĄ-las em uma caixa e manuseĂĄ-las de vez em quando. Sozinha, acompanhada, com as crianças ou em um almoço de domingo com a famĂlia. Faça essa experiĂȘncia e depois me conte como foi. VocĂȘ pode tambĂ©m montar um ĂĄlbum manualmente, como fazĂamos hĂĄ alguns anos. Se for adepta de colagem, scrapbook e outras modalidades artĂsticas, prato cheio!
Outra sugestĂŁo Ă© aliar a fotografia terapĂȘutica com escrita. VocĂȘ pode fazer isso digitalmente por meio da sua conta no Instagram ou em um blog, por exemplo, ou manualmente criando um diĂĄrio com fotografias e textos. Para estimular essa escrita, permita-se conversar com a fotografia de maneira presente e atenta ao que ela te diz ou te provoca. Faça perguntas e deixe a escrita fluir sem julgamentos.
Apesar de toda essa potĂȘncia da fotografia como ferramenta de autoconhecimento, Ă© muito importante que vocĂȘ saiba que ela nĂŁo substitui outras modalidades terapĂȘuticas conduzidas por profissionais. Se vocĂȘ sentir necessidade de ir mais fundo, com alguĂ©m ao seu lado, procure um profissional de psicologia que utilize fotografias como ferramentas terapĂȘuticas ou de arteterapia. E lembre-se sempre⊠se precisar de ajuda profissional, procure! NĂŁo deixe sua saĂșde mental pra depois.
Se ficou alguma dĂșvida ou curiosidade, por favor me escreva!