"Mande notícias do mundo de lá
Diz quem fica
Me dê um abraço, venha me apertar
Tô chegando
Coisa que gosto é poder partir sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar quando quero
Todos os dias é um vai e vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim chegar e partir
São só dois lados da mesma viagem
O trem que chega é o mesmo trem da partida
A hora do encontro é também despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
É a vida desse meu lugar
É a vida"
Na vida estamos o tempo todo passando por encontros e despedidas, em diferentes dimensões. Algumas vezes são grandes, outras menores. Algumas imprevistas, outras desejadas e planejadas. A cada escolha que fazemos, outras possibilidades ficam de fora. O encontro com o novo e a despedida do que passou estão sempre ali juntinhos a rodopiar como em uma dança.
Ainda em movimento, diria que em espiral, a vida dá voltas e nos vemos diante de reencontros que muitas vezes não esperávamos ou sequer imaginávamos. Eu já vinha há algum tempo com uma inquietação no peito, mas na busca por uma produtividade descabida, da qual não me orgulho nem um pouco, não parava pra ouvir e saber o que incomodava.
Estava sentindo a fotografia de uma forma diferente de quando comecei. A forma de ver a fotografia de família, de parto e a fotografia de mulheres tinha uma camada a mais. Não era “apenas” guardar memórias, o que já é grandioso, mas era algo que apontava para conhecer detalhes da própria história. Percebia a aproximação cada vez maior da fotografia com a psicologia, minha primeira formação que ficou por muito tempo guardadinha. Pelo menos era o que eu achava, que meu lado psicóloga estava em uma pasta de elástico junto com o diploma. Acontece que está dentro de mim. Eu é que fugia. Fugia de mim mesma, achando que o tempo para algumas escolhas já tinha passado e não tinha mais volta. Realmente com tempo não se tem volta, mas escolhas podem ser feitas e com a vantagem das vivências acumuladas.
Diante do poder das imagens como forma de expressão também via seu poder como ferramenta de autoconhecimento, seu impacto na autoimagem e na autoestima das pessoas. Na realidade pandêmica em que a vida ganhou novos valores, mergulhos por vezes forçados só aumentavam essa minha percepção mais psicológica da fotografia. Tudo ainda na intuição, na inquietação dentro do peito querendo buscar novos rumos para meu trabalho, para minha vida. Queria juntar tudo, mas não sabia como.
Acredito que quando começamos a abrir a percepção e nos colocamos de antenas ligadas, a magia acontece. Para alguns, coincidências ou acaso. Para outros, sincronicidade. Não sei como os anjos se comunicavam antigamente, mas o meu, que também posso chamar de musa inspiradora, me mandou um direct no Instagram. Duas palavras pularam: fotografia terapêutica. Então toda aquela sensação que eu tinha, o baticum no peito, não só existia, como tinha nome. E sobrenome.
Os números do aplicativo do banco não estavam nada favoráveis, mas eu não podia deixar essa oportunidade passar. Um mantra resolveu: não é gasto, é investimento. Conhecimento é sempre investimento. Algumas semanas depois, me via em uma turma de formação em fotografia terapêutica, curso que não só aumentou o meu apetite pelo tema como me trouxe de volta aquele arrepio gostoso que, traduzido em palavras, dizia “quero isso pra minha vida”.
Foi aí que me assumi novamente psicóloga, sem medo dos anos que me separavam da colação de grau. Uma psicóloga que utiliza a fotografia como ferramenta de expressão e autoconhecimento. Uma psicóloga que queria voltar pra pista, voltar a estudar e estava decidida a unir toda a sua potencialidade para fazer um trabalho com sentido, nas duas direções: para mim e para o outro. O próximo passo seria uma pós-graduação e para escolher o caminho me lembrei do meu anjo, que aqui virou musa inspiradora. Arteterapia seria o meu próximo caminho. Em alguns meses estava embarcando em uma turma de especialização com outros colegas, cada um com sua bagagem. Cada um com seu porquê.
Junto com esse novo caminho, também senti a necessidade de renascer um projeto que estava guardado, esperando mais clareza. Eu tinha uma pedra preciosa nas mãos, mas não sabia lapidar. Agora sentia que precisava lapidar essa preciosidade a qual dei o nome de Alma Nua.
A fotografia é muito subjetiva. Meu trabalho vai se moldando ao meu momento de vida, às transformações que vou vivendo ou buscando para mim. Eu estava em uma fase em que precisava fazer as pazes comigo mesma, com meu corpo, com minha imagem. Passei por alguns processos que me ajudaram muito, com mulheres incríveis a quem serei eternamente grata. Senti o poder que a união entre mulheres pode ter. Então era hora de dar as mãos a outras mulheres e caminharmos juntas nessa travessia rumo à nossa autoestima e ao nosso poder pessoal e coletivo. Energia nesse projeto lindo! Foram ensaios, site, instagram, reformulação de propostas, leitura, escrita, tudo junto e misturado, com foco nos ensaios femininos terapêuticos.
Em princípio, pareciam só encontros na vida, mas logo visualizei a proximidade de uma despedida. Despedida que tentei empurrar o máximo possível e que demorei para assumir. Com todas essas novidades e tarefas na minha vida, eu precisava me despedir dos partos.
Partos exigem muito de nós fotógrafos (e de outros profissionais também, claro!). Exigem técnica, conhecimento, equipamento e, o que os torna mais desafiadores, disponibilidade. Como o site antigo saiu do ar, vou fazer novos posts falando sobre a vida de fotógrafa de parto e o que aprendi nos quase dez anos fotografando nascimentos. Enfim… quando olhei para minha agenda com muitos compromissos inadiáveis, como as aulas e estágio da especialização, fiquei muito tensa com a possibilidade de ter algum parto nos mesmos horários. Ou de estar tão cansada (partos nos enchem de ocitocina, mas também cansam muito!) a ponto de não ter energia para dedicar para os trabalhos.
Não foi fácil tomar essa decisão. Foi difícil admitir para mim mesma que era hora de parar um trabalho no qual fui pioneira e do qual me orgulho muito. Um trabalho que me trouxe entrevistas, me colocou como palestrante em congressos de fotografia, mas antes de tudo, um trabalho que tocou a vida de muitas mulheres e de suas famílias. Um trabalho que vai ter sentido daqui a uns anos para cada bebê que vi nascer.
Foi uma despedida doída, mas percebi que não precisa ser um adeus. Pode ser um até logo. Ou pode também se alimentar em outros tipos de serviços, ainda relacionados com parto, como mentoria para fotógrafos.
Não era a única despedida que estava vivendo. No meio de todo esse processo, me despedia aos poucos da minha casa, onde vivi por nove anos. Casa que foi paixão à primeira vista. Casa onde vivi dias muito felizes e também alguns dos dias mais difíceis da minha vida. Casa que a cada dia ia ganhando mais toques coloridos e até mesmo alguns respingos de tinta na parede. Respingos que me fizeram rir de mim mesma. Memórias que serão apagadas com duas demãos de tinta.
Por mais que estivesse me mudando para um lugar mais confortável, sentia tristeza em sair de um lugar que amava e essa ambivalência foi tema de algumas sessões de terapia. Entendi que eu podia estar alegre, animada, grata e triste ao mesmo tempo. Entendi que essa tristeza que sentia não era ingratidão. Entendi que tristeza não é ruim e que deve ser vivenciada. Entendi também que as memórias não serão apagadas com duas demãos de tinta. Elas vivem comigo (que bom ter tantas fotografias!) e não mais nas paredes de um imóvel que será cenário de outras histórias.
Que venham novas histórias, novas memórias, novas fotografias.
Fotografias: Juliana Caribé
Comments